Tem gente que não sabe, e nem imagina, que o Samba já foi marginalizado e criminalizado em tempos de outrora, com a gente pobre, negra e humilde dos morros e das periferias sendo perseguida e presa, acusada de vadiagem. Eram tempos arcaicos, violentos, repressores, ditatoriais, muito mais preconceituosos que os de hoje, infelizmente ainda um tanto retrógrados. Iniciado "oficialmente" em 1916, o que é uma piada, quando foi gravada a primeira música do gênero musical oriundo da África, por Donga (Ernesto Joaquim Maria dos Santos), de nome "Pelo Telefone", o Samba luta cotidianamente para continuar existindo na mídia sequestrada pela grana do jabá que cultiva uma monocultura no cenário musical brasileiro há um bom tempo, onde a diversidade de ritmos populares não tem espaço nem valorização.
Tal preconceito também se deu com o Carnaval, com a Capoeira, com o Rap, com o Funk, com tudo que vem do coração e da alma do povo simples e menos favorecido. Mas o velho e bom Samba resiste bravamente, especialmente no Rio de Janeiro, berço de grandes e geniais compositores, como Noel Rosa, Cartola, Paulinho da Viola, Nelson Cavaquinho, Chico Buarque, Arlindo Cruz e Zeca Pagodinho, entre outros.
Há por aí os que já decretaram o sepultamento do Samba. Estão errados todos eles! O Samba vive! E vive com vigor, tesão, criatividade e alegria, sem perder suas melhores características de exaltar a vida, a tradição africana, a luta pela paz e contra o maldito racismo, o orgulho negro, a liberdade. Prova disso é a arte e o talento de Hugo Ojuara, um jovem artista carioca consciente e politizado que vem iniciando uma carreira artística na música brasileira se utilizando do Samba para expressar e difundir suas ótimas e necessárias ideias. Nascido em São Gonçalo, no Rio de Janeiro, desde cedo o músico descobriu a música, já que o pai era compositor de sambas-enredos. Influenciado totalmente na infância pelo Samba e pela MPB, o botafoguense Hugo começou a ganhar os holofotes após ter sua canção "Preto Demais" viralizada nas redes sociais. A música feita em parceria com Fernanda Bastos é um torpedo certeiro no racismo estrutural brasileiro. Ela mostra o tratamento diferenciado recebido pela população negra quando se vê às voltas com a Polícia, fruto de um preconceito estúpido e covarde. A ascensão social da população negra nos anos mais recentes da nossa História incomoda bastante os integrantes da elite econômica nacional, mas não só, e de forma inacreditável, até gente da classe média que se ilude imaginando pertencer a ela.
"PRETO DEMAIS"
Hugo Ojuara e Fernanda Bastos
Enquanto seu discurso tá pronto na internet
Prenderam o neguinho ali na praça sete
Que tava pedindo dinheiro pra vender chiclete
Mas com playboy fumando um boldo ali ninguém se mete
Porque o pai é juiz e a mãe é delegada
Enquanto a mãe do neguinho é sua empregada
Um corre danado maior agonia
E pega um busão lotado pra delegacia
Chegando na delegacia
A mãe do neguinho pergunta assim pra o doutor delegado
Mas o que foi que ele fez para estar algemado?
O doutor começa então a descrever o caso
É que ele é preto demais
Corre demais, fala demais, sorri demais
Tá estudando demais, comprando demais
Viajando demais e assim não dá mais
Mas ele joga demais, dança demais
E canta demais, é bonito demais
Tá se unindo demais, planejando demais
Assim ele vai ar o meu filho pra trás
Pra o terror de vocês
O tempo de submissão do nosso povo
Estão com os dias contados
Vão tentar nos silenciar, nos forjar
Mas nosso plano tá mais que traçado
Então só quem é negão
E tem muito orgulho de ser preto e preto demais
Vai cantar assim ó
É que eu sou preto demais, corro demais
Falo demais, sorrio demais
Tô estudando demais, comprando demais
Viajando demais, eu só quero paz
Eu também jogo demais, danço demais
Canto demais, sou bonito demais
Tô me unindo demais, planejando demais
E vou fazer comer poeira os filhinhos de papai
É que sou preto, ele é preto
Eu sou preto, ele é preto
Eu sou preto, ele é preto
(Preto demais)
Se você procurar bem e no lugar certo vai encontrar, até com certa facilidade, uma avalanche de música boa por aí. A Internet, com seu mundo quase infinito, tem muito a lhe oferecer, e de forma gratuita. Você certamente não precisará buscar muito é para achar gente negra, pobre ou de classe média, que, mesmo com o amplo à boa Educação e aos fatos da História, desconhece e não se dá conta das situações de dor, sofrimento, violência, ódio e escravização dos seus anteados, vivendo completamente domesticada e se sentindo integrada à camada rica e poderosa que a trata como um ser inferior. Triste, desalentador, mas lamentavelmente real e perceptível bem próximo e diante dos nossos olhos.
Um grande abraço espinosense.