Para os que acompanham futebol há pouco tempo ou que não se interessam em estudar a História do esporte mais amado do mundo, ver atualmente goleiros participando ativamente do jogo, iniciando com os zagueiros e laterais as jogadas ofensivas com habilidade e segurança, pode parecer uma coisa corriqueira, normal, e que assim acontecia desde os tempos de outrora. Mas não! Antigamente os guardas-redes jogavam quase completamente com as mãos, no máximo cobrando os tiros de meta com chutões para o ataque, buscando algum atacante veloz para a construção de uma jogada ofensiva. Sair da área tocando a bola para os companheiros, atuando de líbero, era inimaginável. E se o guardião das traves resolvesse sair driblando os atacantes adversários com confiança e habilidade, partindo para o ataque com os companheiros de time? Loucura absoluta, impensável! E se o arqueiro ainda se apresentasse para cobrar faltas e pênaltis com um excelente aproveitamento? Pois é, tinha que haver um atleta profissional do futebol que possuísse o talento, a personalidade e a coragem de ser o inovador, o protagonista da mudança do "statu quo". E esse cara existe e tem nome: José René Higuita Zapata!
Nascido aos 27 de agosto de 1966 na cidade de Medellín, capital da Antioquia, na Colômbia, o menino pobre de pai ausente e desconhecido, perdeu a mãe María Dioselina Higuita ainda criança, ando a ser criado pela avó Ana Felisa no Bairro Castilla. Criado em um ambiente carente e hostil, onde "muitos nasciam, mas poucos cresciam" devido à criminalidade, o garoto fazia bicos para ajudar nas despesas de casa, sem deixar de lado a paixão pelo futebol, onde atuava como meio-campista e atacante, com méritos. Um dia qualquer, nas categorias de base do Independiente de Medellín, foi atuar no gol, pois o goleiro estava lesionado, e daí em diante, mesmo com 1,75m, uma altura considerada pequena para a posição, nunca mais mudou de lugar em campo. Em 1985, iniciou a carreira profissional no Millonarios Fútbol Club, já com seu estilo diferenciado, fazendo 16 partidas e marcando 7 gols. Transferiu-se para o Atlético Nacional no ano seguinte. Foi vestindo a camisa dos Los Verdolagas que ficou famoso e conseguiu as maiores glórias, com um título então inédito da Copa Libertadores da América, em 1989, dois da Copa Interamericana, em 1990 e 1997, e dois do Campeonato Colombiano, em 1991 e 1994. Também foi vice-campeão da Copa Libertadores em 1995. Já veterano, em 2008, foi campeão do Campeonato Colombiano série B com o Deportivo RioNegro.
Higuita encantou e influenciou fortemente dezenas de goleiros pelo mundo inteiro, inclusive no Brasil, onde se destacou o maior goleiro artilheiro do mundo, o craque Rogério Ceni, que conseguiu a incrível marca de 131 gols marcados na carreira. Higuita, hoje o sexto jogador com mais gols marcados na História do Futebol, marcou 41 gols, 37 de pênaltis e 4 de faltas. Pela Seleção Colombiana foram 3 gols. No ranking, entre ele e Rogério, estão Márcio, do Brasil, com 43 gols; Johnny Vegas Fernández, do Peru, com 45 gols; Jorge Campos, do México, com 46 gols e José Luis Chilavert, do Paraguai, com 67 gols.
René Higuita, apelidado de "El Loco" por sua imensa irreverência em campo, também estampou manchetes de jornais por um lance extraordinário, uma falha fatal em uma partida de Copa do Mundo e por atitudes polêmicas que lhe valeram uma prisão. Sua incrível e célebre defesa denominada de "escorpião" em uma partida amistosa da Seleção da Colômbia contra a Inglaterra no mítico Estádio de Wembley surpreendeu e encantou o mundo. Mas o mundo caiu em sua cabeça durante a Copa do Mundo da Itália em 1990, quando perdeu a bola ao tentar driblar o atacante camaronês Roger Milla, levando o gol que decretou a derrota e eliminação da sua seleção do torneio que não participava havia 28 anos. Com sua costumeira dignidade e coragem, assumiu toda a culpa, mostrando a ética e a força da sua personalidade. Foi ali que a FIFA decidiu proibir aos goleiros pegar a bola com as mãos após recuo dos companheiros de time, o que gerava muita "cera". Higuita teve sérios problemas com uma acusação de doping, com um encontro com o narcotraficante Pablo Emilio Escobar Gaviria e com sua participação na negociação para salvar uma menina sequestrada por bandidos em Medellín. Por esta última acusação, esteve preso por cerca de nove meses, perdendo a chance de disputar a Copa do Mundo de 1994. Fora do cárcere, processou o Estado, ganhou a causa e seguiu adiante, livre e inocentado.
Sou fã do profissional do futebol e do ser humano René Higuita. Sua personalidade forte e corajosa, suas jogadas maravilhosas e sua defesa escorpião me fascinaram para sempre. Por isso recomendo assistirem, na Netflix, ao documentário sobre sua trajetória de vida, Entre tantos míticos e lendários goleiros que entraram para a História do Futebol mundial como Lev Yashin, Gordon Banks, Sepp Maier e Manuel Neuer, Higuita revolucionou o esporte, provocando mudanças estruturais na sua prática que perduram até hoje. Ele continua sendo idolatrado pelos amantes do esporte e respeitado pelos companheiros de bola.
Com o título de "Higuita, El Camino del Escorpión" ("Higuita, O Caminho do Escorpião"), o documentário de 1h30 tem a direção do americano-uruguaio Luis Ara. Com vários depoimentos, inclusive do próprio homenageado, o filme mostra as origens pobres do menino que venceu na vida com dificuldades, mas com uma confiança extraordinária em suas convicções, enfrentando momentos de estrondoso sucesso bem como de enormes infortúnios, sempre apoiado pela família e pelos muitos amigos fieis. Meu carinho, iração e respeito ao grande René Higuita!
Um grande abraço espinosense.
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