Ontem à noite fui ao Ibicinemas do Shopping Ibituruna aqui em Montes Claros para assistir ao filme que conta a vida de um dos mais icônicos e talentosos intérpretes desta nossa rica Música Popular Brasileira, Ney de Souza Pereira, ou melhor, Ney Matogrosso. Com o nome de uma das suas mais famosas e poderosas canções, "Homem com H", música composta pelo compositor paraibano Antônio Barros, a produção cinematográfica dirigida e roteirizada por Esmir Filho eia pela trajetória de Ney desde a infância sofrida sob um pai militar austero e homofóbico até a consagração do público como um dos mais importantes e influentes artistas do cenário musical brasileiro.
Antes de tudo, preventivamente, preciso alertar aos que são conservadores, puristas, machistas e homofóbicos e que não creem que "qualquer maneira de amor vale a pena e qualquer maneira de amor vale amar", como nos ensinaram Mílton Nascimento e Caetano Veloso em "Paula e Bebeto", para que não assistam à cinebiografia, pois ali na tela grande da sala escura explodem com intensidade o tesão vigoroso de Ney, sua coragem de se entregar sem culpa aos seus instintos amorosos e a sua já conhecida sensualidade livre de quaisquer amarras. Ney sempre, desde pequenino, enfrentou com coragem, determinação e rebeldia qualquer tipo de repressão ou cerceamento da liberdade, batendo de frente com os autoritários, o principal deles seu pai, o militar Antônio Matogrosso Pereira que não queria e fazia de tudo para não vê-lo se transformar em artista. A mãe, Beita de Souza Pereira, era completamente diferente, sua amorosa protetora e incentivadora.
O filme é intenso, perturbador, ousado, verdadeiro, visceral, despudorado, mostrando sem complacência todas as situações afortunadas ou desventurosas por que o artista ou desde que nasceu na pequena Bela Vista no Mato Grosso do Sul, na fronteira com o Paraguai, em 1º de agosto de 1941. Não faltam os muitos relacionamentos amorosos do artista assumidamente bissexual, em especial suas três grandes paixões: o misterioso Zé, o também cantor e compositor Cazuza e o médico Marco de Maria, com quem ele viveu por 13 anos uma grande história de amor. Infelizmente todos eles perderam a luta contra a AIDS, assim como alguns amigos íntimos do cantor, o que o desconforta até hoje.
A história de Ney é muito interessante. Desde criança ele já se mostrava diferente na maneira de enxergar o mundo, sem se deixar comandar pelo pai severo e conservador. Sempre gostou de estar sozinho, mas adora a presença de gente. É desde sempre uma pessoa séria, íntegra, compenetrada, responsável, consciente da sua essência, jamais se acovardando diante dos poderosos ou se rendendo à corrupção e ao poder do dinheiro e da fama. Mas fora do palco, onde ele se transforma em um personagem inquieto, liberto e transgressor, ele é calmo, tranquilo, sereno, contido, observador. Ficou no anonimato até os 31 anos, trabalhando como funcionário público e artesão, até que o incentivo de uma amiga querida e um convite para integrar uma banda alterou totalmente seu itinerário. Entrou para os Secos & Molhados e ou de invisível aspirante a ator a astro da música em pouco mais ou menos de um ano. Do sucesso estrondoso com o grupo, largou tudo e seguiu em carreira solo, tornando-se uma figura lendária na música brasileira.
ELENCO:
Jesuíta Pereira - Ney Matogrosso
Jullio Reis - Cazuza
Bruno Montaleone - Marco de Maria
Hermila Guedes - A mãe Beíta
Rômulo Braga - O pai Antônio
Caroline Abras - Yara Neiva
Lara Tremouroux - Regina
Mauro Soares - João Ricardo
Jeff Lyrio - Gérson Conrad
Pedro Zurawski - Soldado Araújo
André Dale - Gonzaguinha
Bastante ligado à Natureza, Ney comprou no início dos anos 80 um sítio repleto de verde no pequeno distrito de Sampaio Correia em Saquarema, onde mora em paz com a mãe idosa de 103 anos. Antes de o pai falecer, felizmente teve a chance de se reconciliar com ele, aparando as muitas arestas existentes desde a infância. Conseguiu ouvir dele a confissão de que tinha orgulho de o filho ser um artista respeitado, o que lhe valeu como um tesouro incalculável.
Ney será o homenageado no enredo da Escola de Samba Imperatriz Leopoldinense no Carnaval de 2026, do carnavalesco Leandro Vieira. Ele, em plena forma aos 83 anos de idade, continua se apresentando nos melhores palcos do país. Interessante que antes de o seu filme ter sido lançado, eu havia começado a ler sua biografia que havia comprado um tempo atrás, de autoria do Júlio Maria, publicado pela Companhia das Letras. Ainda não terminei a leitura, mas pretendo fazê-lo logo. Só sei que Ney Matogrosso nunca foi o meu cantor preferido, mas não há como não apreciar com sofreguidão e fascínio aquela sua interpretação magnífica de "Rosa de Hiroshima" ainda pertencendo aos Secos & Molhados. Coisa linda, transcendental, maravilha construída pelo talento impecável de um grande artista de uma voz abençoada e única.
O filme é muito bom, atraente, estimulante, emocionante e muito verdadeiro, o que certamente irá deixar chocados os mais pudicos e afeitos a preceitos morais. Aos que vivem sua vida tranquilos e ponderados sem se importar com as vidas alheias, a não ser para ajudar quando preciso, é um espetáculo cinematográfico de excelente qualidade mostrando por inteiro o ser humano Ney, com sua força, firmeza e intrepidez, conseguindo vencer as adversidades e se libertando do preconceito e das correntes que o aprisionavam, vivendo livre, leve e solto seus amores e dores em paz com a sua consciência.
Um grande abraço espinosense.
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